Especial 1971: O ano em que o Villa Nova pintou o Brasil de vermelho e branco
Título brasileiro da Segunda Divisão conquistado pelo Leão do Bonfim completa 50 Anos. Matéria especial traz detalhes sobre a campanha do Primeiro Campeão Brasileiro da Série B

O ano de 1971 foi emblemático e marcante para uma das ricas páginas dos 113 anos do Villa Nova Atlético Clube. O Leão do Bonfim conquistava a taça mais importante de sua história. O Campeonato Nacional da Primeira Divisão de 1971, que hoje conhecemos como Campeonato Brasileiro da Série B, foi uma conquista de suma importância na história alvirrubra. Além de ter sido a única conquista leonina no cenário nacional, foi cravado na história do futebol brasileiro como o primeiro clube a ser campeão brasileiro da Série B.
A criação do Campeonato Nacional de Clubes em 1971 surgiu como um dos objetivos de “integração nacional” proposto pelo governo militar da época e como forma de substituir o Torneio Roberto Gomes Pedrosa (vigente entre 1967 e 1970). O Campeonato Brasileiro teria dois escalões, conhecidos como Divisão Extra (Série A) e a Primeira Divisão (Série B). Desta forma, a Confederação Brasileira de Desportos (atual CBF) visava integrar melhor as regiões do país e “ampliar a evolução do futebol”. Assim, foi criado, no papel, o Brasileirão Série B.
Neste longo texto, dividido em etapas, buscamos resgatar detalhes da campanha villanovense até a conquista ‘cinquentenária’ que fez o Brasil se tornar alvirrubro, trazendo uma das maiores conquistas do futebol do interior de Minas Gerais para a cidade de Nova Lima.
OS PRIMEIROS PASSOS: TORNEIO SELETIVO ESTADUAL DE MINAS GERAIS 1971
Antes do Villa Nova ser o primeiro a representar o estado no segundo escalão do cenário nacional, o Leão passaria por um torneio paralelo, que definiria o clube mineiro que disputaria o Campeonato Nacional da Primeira Divisão, através de uma seletiva estadual.
Após a baixa campanha no Campeonato Mineiro de 1971, o Villa iria se juntar ao Uberlândia e Tupi de Juiz de Fora para a disputa do torneio seletivo do estado para a Série B, somente um dos clubes poderiam disputar o campeonato.
O Torneio Seletivo de Minas Gerais seria disputado entre as três equipes em seis rodadas no formato Turno/Returno, em uma espécie de “triangular”, ou seja, os três jogariam entre si, sendo quatro partidas para cada um e duas rodadas de “folga”, assim, o vencedor estaria classificado para a disputa do Campeonato Brasileiro.
Em uma disputa pesada até o final, o Leão realizou uma campanha com duas vitórias, um empate e uma derrota, folgando na 3ª e na última rodada. O Leão chegou na 6ª Rodada liderando o torneio com 5 Pontos, e iria folgar enquanto Tupi e Uberlândia definiriam o destino os rumos da competição e “bater o martelo” sobre quem iria disputar a Série B que estava entre o Villa e o clube do triângulo mineiro. O Villa poderia ter garantido sua classificação em sua última partida na 5ª Rodada, mas a derrota diante do Uberlândia criou chances ao periquito-verde.
Tupi e Uberlândia empataram em 1×1 no encerramento do torneio, carimbando a liderança do Leão do Bonfim e assim o Villa Nova foi classificado para disputar o Campeonato Brasileiro Série B de 1971, classificação que veio sem nem ter entrado em campo.
Confira abaixo a tabela e as partidas com os gols Villanovenses do Torneio Seletivo:
Pos. | Clube | Jogos | Pontos | Vitórias | Empates | Derrotas | SG | Gols Pró | Gols Contra |
1º | Villa Nova | 4 | 5 | 2 | 2 | 1 | +1 | 4 | 3 |
2º | Uberlândia | 4 | 4 | 1 | 2 | 1 | 0 | 3 | 3 |
3º | Tupi | 4 | 3 | 0 | 3 | 1 | -1 | 4 | 5 |
- 1ª Rodada: Tupi 1×1 Villa Nova – 25/7/1971 – Estádio Salles de Oliveira (Juiz de Fora) (Gol: Corgozinho 22′ 2ºT)
- 2ª Rodada: Villa Nova 1×0 Uberlândia – 1/8/1971 – Estádio Independência (Belo Horizonte) (Gol: Miro GOL CONTRA 9′ 1ºT)
- 3ª Rodada: Uberlândia 1×1 Tupi – 8/8/1971 – Estádio Juca Ribeiro (Uberlândia)
- 4ª Rodada: Villa Nova 2×1 Tupi – 14/8/1971 – Estádio Independência (Belo Horizonte) (Gols: Paulinho Cai-Cai 28′ 1ºT e Raimundo [Pênalti] 10′ 2ºT)
- 5ª Rodada: Uberlândia 1×0 Villa Nova – 22/8/1971 – Estádio Juca Ribeiro (Uberlândia)
- 6ª Rodada: Tupi 1×1 Uberlândia – 29/8/1971 – Estádio Salles de Oliveira (Juiz de Fora) (Leão classificado para a Série B)
SOBRE A COMPETIÇÃO
Pelo regulamento da competição, o Villa Nova ganhou o direito de começar diretamente na Segunda Fase pela Zona Centro-Sul (Sul/Sudeste/Centro-Oeste). 23 equipes integraram a competição após as disputas das seletivas estaduais e outras definições. A Primeira Fase abrigou disputas em grupos das regiões Norte, Nordeste e Centro-Sul. Dos 23 clubes, mais três equipes ganharam o direito de começar diretamente na Segunda Fase da Série B além do Villa Nova: Mixto/MT, Rodoviária/AM e Central/RJ, sendo este último o adversário do Leão na estreia da competição.
Fazendo uma comparação com a “anatomia” das competições mata-mata dos dias atuais, a Segunda Fase seria uma espécie de “quartas de final” do campeonato na época e uma “semifinal” da região Centro-Sul para o Villa, com a regionalização feita no torneio na disputa dos grupos da Primeira Fase, com três grupos nordestinos, um grupo do Pará com sua seletiva estadual, e um grupo da Centro-Sul. A Segunda Fase também seguiu a mesma ideia, com um mata-mata se desenhando de forma regionalizada, tendo clubes da zona Centro-Sul de um lado da chave e os da zona Norte/Nordeste do outro. Isso fez com que a final fosse disputada entre um clube de cada uma das zonas, sendo, consequentemente, o campeão de cada região.
A regionalização tinha, em tese, o intuito de ajudar os clubes nos deslocamentos durante a disputa do Campeonato Brasileiro, como forma de encurtar distâncias entre as cidades onde iriam ocorrer as partidas, além de promover uma “aproximação” para que houvesse redução de gastos aos clubes. Na época, a situação dos clubes era muito precária em termos de resolução de questões envolvendo despesas. Muitas dessas equipes possuíam dificuldades financeiras escancaradas – como o próprio Villa – e não havia nenhum auxílio financeiro direto da CBD (atual CBF) para as equipes.
Confira a Tabela da Primeira Fase do campenato com grupos e seus participantes:

BELO HORIZONTE CASA TEMPORÁRIA!? E A VOLTA DE MARTIM FRANCISCO
Antes mesmo do começo do Campeonato Nacional da Primeira Divisão (Série B), o Villa Nova fez um acordo em Junho para que houvesse uma transferência de sede temporária do clube no papel. O Leão foi transferido para a capital, onde foi sua “casa” na disputa da seletiva estadual e assim seguindo para a etapa nacional. O Villa fixou sua sede em Belo Horizonte, devido a uma lei que faria não ser possível disputar o Campeonato Brasileiro em Nova Lima.
A “Lei dos 100mil”, como era conhecida na época, constava que somente as cidades que possuíam a partir de 100mil habitantes poderiam ter equipes consideradas profissionais aptas para a disputa dos campeonatos ao nível nacional. A população de Nova Lima não chegava sequer perto do número necessário, algo que não foi batido nem nos dias atuais (a população atualmente é de quase 95mil pessoas).
Diante disso, o Villa Nova foi forçado a se ‘abrigar’ em Belo Horizonte, tendo o Estádio Independência como mando de campo das partidas, a arena se tornou palco dos caminhos do Leão em Minas no torneio. A mudança desfrutou da proximidade da cidade de Nova Lima com a capital (cerca de 15 km).
O presidente Fernando Marques na época, após a conquista do campeonato, citou a mudança de sede da seguinte forma:
“Somos a quarta força do Estado, e a mudança da nossa sede para Belo Horizonte [em Junho deste ano (1971)] marcou nosso enquadramento no bloco dos gigantes!“
– Fernando Marques para a Revista Placar, nº 94 31/12/1971

Desde a classificação para o Nacional até a primeira partida a ser disputada na estreia, foram um período de quase três meses de intervalo para se preparar. Após o clube ter variação no comando técnico da equipe durante o Torneio Seletivo, o Villa Nova queria ir além, e contou com um retorno importante para traçar os caminhos rumo ao título brasileiro. O emblemático e lendário técnico Martim Francisco (1928 – 1982), foi anunciado poucos meses antes da competição começar para o Villa, retornando após 8 anos de seu último trabalho curto no alvirrubro. Era assim, a terceira passagem do treinador por Nova Lima.
Era assim, a terceira passagem do treinador por Nova Lima. Martim foi o técnico responsável por levar o Villa Nova até a conquista do Campeonato Mineiro de 1951 sendo o quinto título Estadual da história do Leão, na edição que ficou conhecida como Supercampeonato. Foi através da campanha em 51 que Martim ficou conhecido por revolucionar o futebol, criando através do Villa e desta conquista, a formação tática “4-2-4”. O sistema utiliza dois laterais, dois zagueiros, dois meio-campistas e quatro atacantes na linha, formação que ajudou o Brasil a conquistar a Copa do Mundo de 1958.
Martim Francisco assumiu o Villa Nova após enfrentar uma dura luta contra uma gravíssima cirrose, ficando por um longo período sob risco de morte. Buscando dar uma virada por cima em sua rica carreira em busca da conquista nacional, Martim retornou ao clube que construiu seu começo de carreira, com um feito brilhante.

“O Villa Nova já está de técnico novo desde ontem, quando Martim Francisco acertou tudo com os diretores. Ele vai receber Cr$2 mil mensais, sem luvas, até 31 de janeiro de 1972, quando termina o mandato da atual diretoria. Hoje, às 8h, Martim Francisco será apresentado pelo vice-presidente José de Lima Mattos, que aproveitará para apresentar também, oficialmente, o novo diretor de futebol, Benedito Alves Nazaré, o Pica-Fumo, que já está trabalhando há algum tempo.”
– Jornal Diário de Minas, 1°/10/1971 (Extraído do Almanaque do Leão do Bonfim)
O ELENCO VILLANOVENSE QUE INTEGRAVA OS CAMINHOS DO TÍTULO
O elenco era praticamente as mesmas peças que haviam disputado o Campeonato Mineiro em 1971, com muitos remanescentes das temporadas anteriores. Ao todo 27 atletas teriam sido inscritos no Campeonato Brasileiro para a disputa.
O time-base que participou da campanha era composto por: Arésio; Cassetete, Zé Borges, Bráulio e Mário Lourenço; Daniel e Piorra; Jésum, Eduardo Perrela, Paulinho Cai-Cai e Dias. Destacamos também outros jogadores que estiveram em campo e foram destaque, como o Meia-atacante Nélson que era substituto imediato muitas vezes no ataque do Leão e foi titular na finalíssima, além do atacante Wilson, que atuou de titular nas partidas contra o Central/RJ e contra a Ponte Preta em Campinas.
A PRIMEIRA DISPUTA: A DECISÃO CONTRA UM NOVATO CAMPEÃO ESTADUAL
O primeiro compromisso leonino no caminho da taça vinha do Interior do Rio de Janeiro, o Central da Barra do Piraí era um clube em que buscava ser uma nova ascensão no futebol em geral. A equipe do Brasinha vinha de um título estadual importante conquistando, com o Campeonato Fluminense em 1970, antigo estadual que ocorria geralmente entre clubes mais alternativos da capital Carioca e sua região no antigo Distrito Federal/Estado da Guanabara. Este estadual foi extinto pouco depois da união do estado do Rio de Janeiro com a Guanabara.
Com o título Fluminense, o Central se classificou para o campeonato, ganhando o direito de começar diretamente da Segunda Fase, após não ter convites a outros clubes do Rio e Espírito Santo, foi o primeiro contato dos mesmos contra um time de outro estado. o clube passou por breves reformulações, tendo um investimento focado na base.
O destaque que a imprensa falava sobre o Villa Nova, nas análises da partida diante dos Fluminenses, era a vinda de Martim Francisco ao Leão com uma equipe tecnicamente bem, além de destacar como a instituição carrega uma tradição de peso em Minas Gerais, principalmente pela conquista do Tricampeonato Mineiro da Era Profissional (33/34/35).
O jogo de ida foi no Estádio da Colina, em Barra do Piraí, no dia 21 de Novembro, o Leão encontrou um campo castigado, mas com boas para as pretensões da equipe local. Diante deste “fator casa” para o Central e uma atuação polêmica da arbitragem, principalmente contra o Villa Nova, a partida ficou no empate por 2×2. Os gols alvirrubros marcados por Jésum (5′ 1ºT) e por Wilson (14′ 2ºT), sendo o gol do Jésum, feito logo no começo do jogo, o primeiro da história Villa-novense em competições de âmbito nacional.

Foto: Reprodução/Revista Placar nº89 1971
Para o jogo da volta em Belo Horizonte, o Leão revertia para si o ‘fator casa ‘e o favoritismo do jogo, principalmente pela superioridade técnica com a manutenção das peças do elenco que estiveram em anos anteriores, isso era o que pelo menos os especialistas da loteria esportiva destacavam em suas análises para a partida. No Estádio Independência, no dia 28 de Novembro, o Leão do Bonfim confirmou seu favoritismo mesmo com dificuldade. Uma vitória mínima por 1×0 com gol de Paulinho Cai-Cai (18’ 2ºT), colocou o Villa Nova na decisão da Zona Centro-Sul e na Semifinal da Série B. Com a classificação, o Villa recebeu uma premiação que ajudou um pouco, principalmente para a logística no restante do campeonato.

Foto: Reprodução/Site Historiadores do Esporte
O CONFRONTO DIANTE DE UM CANDIDATO AO TÍTULO: A SEMIFINAL CONTRA A MACACA DE CAMPINAS
O Villa Nova teria de enfrentar um duro adversário pela frente nesta decisão, simplesmente o clube visto como a melhor atração daquela Série B de 1971. A decisão da região Centro-Sul que definiria o representante na grande final era um duelo “café com leite” entre Minas e São Paulo. A Ponte Preta de Campinas era dada como a principal candidata ao título brasileiro da Segunda Divisão, um clube visto com a melhor estrutura em relação às outras equipes que disputaram o campeonato. A Ponte possuía uma boa força institucional com a Federação Paulista de Futebol, que ajudou na sua participação, sendo o único representante do seu estado.
A Macaca vinha de um título paulista da Segunda Divisão em 1969, um vice-campeonato Paulista em 1970 e uma boa campanha em 1971, que foi essencial para se classificar para a Série B. A Macaca passou por um grupo contra América/SC (Campeão Catarinense) e Londrina na Primeira Fase, além de eliminar o Mixto/MT (bicampeão do Mato Grosso) com tranquilidade nas duas partidas da Segunda Fase. Era um adversário que vinha motivado para enfrentar o Leão.
O jogo de ida foi em Campinas no dia 5 de dezembro, no tradicional Estádio Moisés Lucarelli, e o Villa acabou sofrendo um revés no interior paulista. A Ponte Preta venceu por 1×0 em seus domínios com gol de Manfrini (44′ 1ºT), um dos principais atacantes da equipe adversária.
O Villa teria que vencer em Belo Horizonte de qualquer maneira para seguir vivo na competição. O segundo jogo, no Estádio Independência, ocorreu no dia 8 de dezembro. Martim Francisco optou por colocar Eduardo Perrella como titular no lugar de Wilson, que havia jogado em Campinas.
O Leão do Bonfim conseguiu devolver o placar em BH. Paulinho Cai-Cai (5′ 2ºT) fez o gol alvirrubro na vitória por 1 a 0, forçando assim o jogo extra da série “melhor de três”, que seria também na capital mineira, algo definido na tabela pela CBD antes da fase começar. Criou-se uma grande expectativa dentro do Villa Nova pela classificação no último duelo.

Foto: Reprodução/Historiadores do Esporte
O duelo decisivo em casa, no dia 11 de dezembro, foi de longe o mais apertado para ambas as equipes até então no campeonato. O Leão temia arriscar, sabendo da dificuldade do confronto, mesmo tendo melhores chances no final. A Ponte Preta não fazia tanta questão de atacar fora de seus domínios, resultando em um jogo morno que acabou em empate sem gols no tempo regulamentar. A partida foi para a prorrogação de 30 minutos.
Na prorrogação, a Ponte chegou com mais determinação, disposta a buscar a classificação. No entanto, foi o Leão quem marcou primeiro. Paulinho (1′ 2ºT) abriu o placar em um contra-ataque, deixando o Villa Nova mais próximo da final. Mas a Macaca não se rendeu e empatou com Paulinho (da Ponte) (6′ 2ºT), levando a decisão para os pênaltis.

Foto: Reprodução/Revista Placar nº 92 1971
Na decisão por pênaltis, somente um jogador de cada time poderia cobrar. O Leão indicou Mário Lourenço, o maior especialista nas cobranças do lado alvirrubro, enquanto a Ponte indicou o artilheiro Manfrini. O Villa começou cobrando as cinco penalidades diretas, e Mário converteu todas sem exceção, deixando uma grande vantagem. Porém, Manfrini da Ponte Preta não fez diferente e também marcou em todas.
Nas cobranças alternadas, Mário perdeu seu pênalti, mas, para sua sorte, o artilheiro da Macaca também desperdiçou. Na cobrança seguinte, Manfrini começou batendo, mas viu brilhar a estrela do goleiro alvirrubro Arésio, que defendeu o pênalti de forma espetacular. Logo após, Mário Lourenço converteu e fez o Leão do Bonfim rugir mais alto, conquistando a Zona Centro-Sul e classificando o Villa Nova para a grande final do Campeonato Nacional da Primeira Divisão.
Um fato curioso após a vitória do Leão do Bonfim é que a Ponte Preta não aceitou a derrota e recorreu aos tribunais buscando o ‘tapetão’, alegando que houve irregularidade no terceiro jogo quanto ao critério de disputa de pênaltis. O argumento não foi acatado, nem pelo departamento jurídico da CBD, nem pelo STJD.
“O time do Villa Nova, pagando promessa, foi a pé até a cidade de Nova Lima, a 12 quilômetros de Belo Horizonte…“
– Revista Placar, nª 92, 17/12/1971

Foto: Reprodução/Historiadores do Esporte
UM DUELO DE LEÕES NA GRANDE FINAL DO CAMPEONATO NACIONAL

A grande final do Campeonato Nacional da Primeira Divisão, o primeiro Brasileirão Série B da história, teria em seu primeiro capítulo de 50 anos de histórias da competição um duelo de Leões pela primeira taça: o Leão do Bonfim contra o Leão da Amazônia. O Remo aguardava tranquilamente a definição da final enquanto o Villa Nova derrubava a Ponte Preta.
O tradicional clube do Pará se classificou com facilidade para a grande final, após eliminar o Itabaiana/SE e conquistar a Zona Norte/Nordeste. Antes disso, o clube havia passado pela sua Seletiva Estadual, enfrentando Tuna Luso, Paysandu e Sport Belém, e eliminou o Rodoviária/AM na Segunda Fase antes de enfrentar os sergipanos.
O Clube do Remo vinha de um vice-campeonato paraense e desejava o título a todo custo, contando principalmente com o técnico surinamês François Thym (1943-2015), conhecido como um “multifuncional” na equipe que fazia uma boa campanha com jogadores como Alcino, Robilota, Neves e Ernani. Um confronto frente a frente contra o lendário Martim Francisco, que contava com muitos gigantes como Paulinho, Jésum, Piorra e Mário Lourenço. A final prometia emoções das Gerais até Belém.
A primeira decisão ocorreu no dia 15 de dezembro no Estádio Baenão (como é conhecido hoje). Ambos os clubes representavam uma confiança enorme na vitória, visto principalmente através dos treinadores de ambas as equipes, que demonstravam este entusiasmo publicamente. Cerca de 13 mil torcedores lotaram o estádio, e o Remo saiu com a vitória e um pé direito na série “melhor de três” da grande final, ficando a um empate do título. O Leão do Bonfim sofreu um revés após Braúlio marcar gol contra aos dois minutos da segunda etapa, mas isso não abalou toda a máquina alvirrubra na busca pela conquista.
Nos bastidores, segundo o Jornal dos Sports da época, tentou-se esquematizar uma mudança de local do segundo jogo (que tinha o mando de campo do Villa Nova) para o Estádio Maracanã, no Rio de Janeiro, uma ideia conjunta de ambas as equipes que colocaria a decisão como uma espécie de “preliminar” da decisão da elite do Campeonato Brasileiro entre Botafogo e Atlético Mineiro. Mas a CBD rejeitou o pedido, mantendo Belo Horizonte como a chance do Villa seguir na busca pela taça do Campeonato Brasileiro da Série B.

O título da manchete acima, veiculado pela Revista Placar, estampava o que foi a partida de volta no Horto em BH. Exatamente no dia 19 de dezembro, o Leão do Bonfim não se deixou abater pela derrota em Belém, demonstrando toda a sua força e mostrando ao Brasil o motivo de merecer estar naquela final. O Remo, que dependia somente do empate, viu a taça escorregar de suas mãos, sendo colocado à prova ao ver uma terceira partida sendo forçada pelo Villa Nova.
De longe, a partida foi a atuação mais brilhante do Villa Nova dentre suas participações na Série B de 1971. Com um time totalmente ofensivo, mesmo com um gramado pesado, resultado das fortes chuvas que tomaram conta de Belo Horizonte na manhã daquele dia, o Leão não tomou conhecimento de um Remo totalmente frágil e sem disposição para jogar em Minas Gerais. Tudo começou com Dias (5′ 1ºT), que logo no início do jogo abriu o marcador aproveitando a fragilidade do goleiro remista Dico e dos zagueiros que, antes, haviam sido dominados por Paulinho Cai-Cai.
O Villa Nova continuava criando mais chances até que encontrou mais uma falha do goleiro Dico, para a sorte de Jésum (22′ 1ºT), que ampliou e levou o Independência à loucura total. O Remo seguiu frágil para a segunda etapa, e o Villa foi para cima ainda mais. Paulinho Cai-Cai (1′ 2ºT), logo no começo do segundo tempo, aproveitou uma cobrança de escanteio e marcou de cabeça, fechando um massacre de 3 a 0 contra o Leão da Amazônia. O jogo ainda teve as expulsões de Jésum (Villa) e Mendonça (Remo).
O time alvirrubro garantiu a decisão para um jogo extra. O clima era de festa, mesmo com outra decisão pela frente. A tradicional charanga puxava os gritos de “Adeus, Belém do Pará” durante o domínio villa-novense na partida, e Martim Francisco chegou a gritar, com entusiasmo, aquilo que iria acontecer poucos dias depois.
“Não tenho mais nada a fazer! O Villa já está com o título na mão!“
– Martim Francisco, Registro da Revista Placar nº 93 1971

Foto: Reprodução/Historiadores do Esporte
O TÍTULO BRASILEIRO É ALVIRRUBRO! A BATALHA FINAL NO INDEPENDÊNCIA
Nas expectativas antes da finalíssima da Série B que iria ocorrer novamente no Estádio Independência, a diretoria Villa-novense tratou de imediato em fazer uma convocação massiva das torcidas da capital mineira para apoiar o Leão do Bonfim, dias antes da decisão final. Para a mobilização, o clube contou, principalmente, com o título brasileiro do Atlético Mineiro, conquistado no mesmo dia em que o Villa goleou o Remo, o time parabenizou o clube alvinegro pelos jornais da capital nas vésperas da decisão, e convocou a torcida atleticana. o Villa também tratou de atrair as torcidas de Cruzeiro e América, com a ideia de ter uma união em prol do Alvirrubro Nova-limense.
“O Villa Nova saúda o Atlético e a torcida campeã do Brasil e espera o seu total apoio na decisão de quarta-feira, às 21h, no Independência. Minas precisa ser campeã total!”
– Estado de Minas, 21/12/1971 (Extraído do Almanaque do Leão do Bonfim)
Nos bastidores, a diretoria remista tentou forçar que a disputa do jogo final fosse jogado no Mineirão, algo que desagradou a direção do Villa Nova, ‘que bateu o pé’ e fez com que a decisão se mantivesse mesmo no Independência. Além disso, o regulamento do campeonato não permitia tal mudança.
A presença em peso da torcida Villanovense, que vinha de Nova Lima, além das convocações aos torcedores dos clubes da capital deram efeito significativo. Mais de 5mil pessoas estabeleceram o recorde de público do Villa em suas partidas dentro de Belo Horizonte na competição, com uma mistura amistosa entre Nova Lima e a Capital, ajudando a empurrar o clube rumo a conquista da segunda divisão do Brasil.

Para a grande decisão, o Villa Nova teria duas baixas importantes. A primeira foi do atacante Jésum, expulso na segunda partida, o que deu lugar ao atacante Nélson na grande decisão. A outra baixa seria uma das mais significativas: o técnico Martim Francisco não comandou a equipe do banco de reservas, após passar mal horas antes da partida.
Martim acabou acompanhando o jogo dos vestiários do Independência, e coube ao preparador físico interceder pelo professor. Benecy Queiroz (1940-2022), antigo supervisor administrativo do Cruzeiro, teve a responsabilidade de orientar e repassar todas as instruções de Martim Francisco ao campo de jogo. O Remo também tinha uma ausência notável: seu ídolo Alcino, que, envolvido em confusões pessoais, não foi para o campo.
Foi exatamente no dia 22 de dezembro de 1971, às 21 horas, que a bola rolou para os últimos 90 minutos daquela eletrizante final. A expectativa e a tensão estavam por toda parte, desde os torcedores villa-novenses dentro do estádio, até os remistas que assistiam à transmissão pela televisão em Belém. Ali se encerraria o primeiro capítulo da história da Série B.
Logo no começo do jogo, o Clube do Remo abriu o marcador. Cabecinha (7′ 1ºT) marcou para o Leão da Amazônia, deixando os paraenses com a vantagem inicial. A partir daí, o Remo fechou a ‘casinha’ e blindou sua defesa, conseguindo segurar o resultado até o final do primeiro tempo. Durante o intervalo, Martim Francisco fez a leitura do jogo do vestiário, orientando Benecy a anular as jogadas ofensivas feitas por Carlitinhos do Remo. O encarregado dessa tarefa foi Daniel, que seguiu as orientações do professor com muita firmeza.
No segundo tempo, o Villa Nova começou a agir de imediato, sentindo a energia da torcida que estava ao seu lado. Logo no início, surgiu a oportunidade: Valdemar, do Remo, agarrou a bola com os braços dentro da grande área, resultando em um pênalti para o Leão do Bonfim. Mário Lourenço (4′ 2ºT) converteu no canto esquerdo e empatou o placar, deixando tudo igual na decisão.
A partir do empate, o Villa partiu para cima a todo custo, querendo a taça. O Remo se fechava, ciente das dificuldades que enfrentava. Após muita persistência, surgiu a chance da virada. Mais um pênalti foi marcado para o alvirrubro aos 32 minutos do segundo tempo. Foi a oportunidade para o Villa Nova tomar a dianteira e conquistar o título. Brilhou novamente a estrela de Mário Lourenço (33′ 2ºT), o especialista nas cobranças, que converteu mais uma vez e virou o jogo.
Era questão de tempo e resistência. O Villa Nova passou a se fechar e não deu trégua para o ataque remista. Com garra, força e dedicação, o Leão do Bonfim venceu por 2 a 1 e conquistou o Campeonato Brasileiro da Série B. O Leão foi campeão nacional dentro de Belo Horizonte, pintando o Brasil de vermelho e branco e tremulando suas cores pelo país.

O sentimento era de orgulho, uma festa inesquecível que veio 20 anos após a última taça levantada. Junto disso, vinha o sentimento de superação para alguns. Martim Francisco, que havia ficado entre a vida e a morte, retornou ao Leão e o fez Campeão Brasileiro, reencontrando seu prazer e sua felicidade com muita emoção. A superação de Mário Lourenço dentro do futebol era estampada no peito e na raça. O autor dos gols do título havia sido oferecido como moeda de troca por um ônibus, quando estava no América/MG, em uma negociação com o Londrina.
O Governador do Estado na época, Rondon Pacheco, recebeu o clube para parabenizar o feito da conquista nacional, exaltando o desempenho do Leão que representou a garra do futebol mineiro. A taça ainda não havia sido entregue ao Villa no Independência, mas chegou dias depois, sendo exposta em uma agência bancária na capital mineira ao lado do troféu brasileiro da elite, conquistado pelo Atlético Mineiro. A torcida em Nova Lima recebeu com carinho os bravos guerreiros, com muitos presentes e gratificações em dinheiro.
A campanha do Leão foi de 9 partidas, sendo 4 vitórias, 2 empates e 2 derrotas, com 10 Gols marcados e 6 Gols contra. Os principais artilheiros do Villa na campanha do título foram: Paulinho Cai-Cai (4 Gols), Jésum e Mário Lourenço (2 Gols cada), além de Dias e Wilson (1 Gol cada).
“Quiseram me fazer de mercadoria, agora sou campeão! Eu precisava disso para me afirmar!”
– Mário Lourenço para a Revista Placar nº 94, 31/12/1971
“Eu sabia que havia chegado o momento da minha reabilitação e a do Villa, encontrei lá bom ambiente e bons jogadores”
– Martim Francisco para a Revista Placar n° 94, 31/12/1971

Foto: Reprodução/Futebol80
UMA INJUSTIÇA ETERNA: UM CAMPEÃO SEM ACESSO À ELITE NACIONAL
Apesar da conquista alvirrubra, não se pode deixar de ressaltar um acontecimento que fica marcado até hoje como uma das primeiras injustiças no futebol brasileiro. A Confederação Brasileira de Desportos (CBD) foi diretamente responsável, em 1971, por uma série de desorganizações durante todo o Campeonato Nacional.
Mesmo com a intenção de promover uma ‘evolução’, o retrocesso se fez presente durante toda a disputa. Além de não oferecer assistência aos clubes da Série B e bagunçar a seleção dos participantes do campeonato, a CBD não fazia o mínimo de acompanhamento à sua divisão inferior. Eram cobradas inúmeras taxas com porcentagens abusivas, e não havia garantia de que o clube campeão da Primeira Divisão tivesse seu acesso para a Divisão Extra (da Série B para a Série A), se contradizendo o tempo todo sobre a questão da promoção para a elite.
Para que o campeão pudesse disputar a Série A em 1972, a CBD teria que ‘avaliar as condições do clube e sua situação’, para então fazer um ‘convite’ ao clube para a disputa. Assim, não havia qualquer garantia de que o Villa Nova, nem qualquer outra equipe (especialmente de menor investimento), teria sua vaga na Série A caso conquistasse o título. Era basicamente uma expectativa que os clubes construíam e que não passava de ilusão.
Naquela época, o presidente Fernando Marques chegou a cobrar publicamente várias vezes, antes mesmo do Leão disputar a final. O dirigente tinha um discurso que exaltava a extensão do calendário nacional, sem dar ênfase aos prejuízos que os clubes sofriam. Ao mesmo tempo, o Villa Nova chegou a ameaçar abandonar o campeonato. Fernando exigia que o campeão brasileiro da divisão inferior tivesse direito à vaga na Série A, acusando a CBD de fazer articulações políticas para escolher quem iria jogar a elite de 1972.

Após o título do Villa Nova, a pergunta era só uma no Bonfim, seja antes, durante e depois do jogo do título, o Villa Nova iria disputar a elite do Campeonato Brasileiro? E a resposta foi um ‘Não’. A CBD negou o direito de disputar a Série A, alegando que o Leão ‘não reuniu as condições necessárias exigidas’, e ainda justificando que as ‘cotas de vaga’, na qual o Estado de Minas Gerais tinha direito na elite, foram ocupadas. As vagas eram efetivas para Cruzeiro e Atlético, e a única vaga teoricamente ‘solta’ era do América, por causa da conquista do Campeonato Mineiro de 1971.
Para piorar a ‘puxada de tapete’ e a injustiça sofrida, a CBD ampliou a Série A de 20 para 26 Clubes, convidando o Clube do Remo para a disputa, o mesmo que havia perdido o título para o próprio Villa. Outros clubes como ABC, CRB e Náutico, que disputaram a Série B e foram eliminados na primeira fase, também foram convidados para a elite. O Villa Nova só poderia voltar a jogar a mesma divisão no ano seguinte, algo rejeitado pelo clube que não a disputou. O clube alvirrubro só foi jogar a Série A em 1978, sete anos após a conquista.
Depois de 50 Anos após pintar o Brasil com suas cores, o Villa Nova passa por um processo de reconstrução intenso, 2021 foi o ano em que o time disputou o Módulo II do Campeonato Mineiro pela segunda vez na história, mas que retornou logo em seguida para a elite do estadual com o título de Campeão. Uma conquista marcada pela união, raça, dedicação e fidelidade ao alvirrubro das gerais, com o mesmo espírito que bravos guerreiros tiveram em 1971, com a conquista nacional, e orgulha toda a cidade de Nova Lima nos dias atuais.
VILLA NOVA ATLÉTICO CLUBE
O PRIMEIRO CAMPEÃO BRASILEIRO DA SÉRIE B – 1971
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Foto: Reprodução/Nathan Sacchetto (@portalvillanova)
Referências:
- Livro: Almanaque do Leão do Bonfim (1908 – 2010) – Wagner Augusto Álvares de Freitas;
- Livro: Villa Nova 100 Anos de Glórias em vermelho e branco – Wagner Augusto Álvares de Freitas;
- Livro: Martim Francisco: Uma Revolução no Futebol – Lígia Maria Leite Pereira & Mauro Fiúza Campos Filho;
- Revista Placar Edições: nº 67; nº 87 até nº 94/1971; (Todas as edições disponíveis no Google Books);
- Jornal dos Sports, Edições: 13481; 13487; 13489; 13496 até 13518/1971; (Todas as edições disponíveis no site virtual da Biblioteca Nacional);
- Revista Série Z – Guia #48 Especial 50 Anos Série B 1971 Julho 2021;
- Wikipédia: Campeonato Brasileiro da Série B 1971; Campeonato Brasileiro Série A 1971; Villa Nova Atlético Clube; 4-2-4;
- Site “Historiadores do Esporte“;
- Site Futebol80.
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